Caminho das Pedras: Filosofia para todos os gostos

RENATO JANINE RIBEIRO
especial para a Folha de S.Paulo

A filosofia é menos difícil do que se imagina. Se parece difícil, é por uma razão simples: ela é um gênero à parte. Conhecê-la é aprender a ler de um modo diferente. Ela tem pontos comuns com a ciência e com a literatura, mas se distingue de ambas. Como a ciência, ela procede com rigor e costuma ter, no horizonte, uma idéia de verdade. Mas a ciência se atualiza sempre e descarta seu passado. A filosofia não. Como a arte ou a literatura, ela preserva seu passado como um patrimônio irrenunciável.

Esta é uma primeira dica para o interessado em filosofia. Se você quiser conhecer literatura, deve começar por uma obra ou por uma história literária? É claro que pelas obras —romances, contos. O mesmo vale para a filosofia. Por isso, embora existam hoje muitas introduções à filosofia ou a filósofos específicos, o melhor é mergulhar diretamente nos autores e em seus livros.

Nos últimos 20 anos, aumentou muito a demanda por filosofia. Quem diria que, em 1968, quando “la definitiva noche se abría sobre Latinoamérica”, a filosofia viria a ser sucesso de público? Nos colégios, aposentava-se a escrita em favor das provas com cruzinhas. A filosofia era acusada de perigosa, pelas ditaduras, ou de inútil, pela tecnocracia. Mas isso mudou. A edição de filosofia está em franca expansão.

Por isso, até eu, que critico a ênfase excessiva que os cursos de filosofia dão aos autores (em detrimento das questões propriamente filosóficas), recomendo começar por eles. Filosofar é caminhar —por isso, é tão interessante o caminhante solitário de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) —veja adiante. O maior erro de quem quiser conhecer filosofia será acreditar que cada conceito tem um sentido exato, e um só. O leitor verá que cada autor lhe dá um significado diferente! E esse significado só cabe no pensamento desse autor. Assim, os dicionários de filosofia são úteis, mas não demais. Nenhum deles substitui a frequentação direta de uma obra.

Um exemplo: ética e moral. Qual é a diferença? Uns, porque “mores”, em latim, significa “costumes”, dizem que a moral é conformista, exprimindo os costumes de um grupo, e a ética (do grego “ethos”, “caráter”) seria a escolha que cada um faz, livre e responsavelmente, de sua vida. Outros trocam o sentido dessas mesmas palavras. Conclusão: o importante não é pontificar que moral e ética significam tal ou qual coisa, mas saber que há dois sentidos opostos, que podem receber nomes distintos, é crucial.

Não tenha medo do jargão filosófico. Toda disciplina tem seu rigor próprio, e na filosofia ele é decisivo. Mas penso que ela só adota jargão bem técnico ao ser ministrada nas universidades —o que acontece no fim da Idade Média, com a escolástica, e, modernamente, desde Emmanuel Kant (1724-1804). Ela então se torna mais difícil ao leigo, mas, retirando esses 500 anos mais técnicos, restam pelo menos dois milênios de filosofia feita, em larga medida, para um público não-acadêmico.

Filósofo, diz a etimologia, é o amigo do saber (do grego “filia”, “amizade”, e “sofia”, “saber”). A filosofia começa, na Grécia do século 6º a.C., sob o signo da modéstia. O Oriente conhecia a figura do sábio; ora, os gregos repudiavam a pretensão a serem sábios, isto é, proprietários do saber. Eles eram apenas (apenas?) amigos do conhecimento. Não queriam ser donos da verdade.

Renato Janine Ribeiro, 53, é professor titular de ética e filosofia política na USP e autor de “A Sociedade contra o Social” (Companhia das Letras), entre outros títulos. Ter lido Nietzsche aos 17 anos mudou sua vida —talvez menos do que achou na época, mas mudou.

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